Metalurgia
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Epitáfio
Dizia-se feliz por não saber a data de sua morte (era feliz por não sabê-lo). Fez, contudo, preparativos de espera: o terreno, o jazigo espaçoso, o mármore, a imagem da ovelha de Cristo como fora sempre um atento e humilde servidor, a coroa, o olhar da paixão, as chagas dos pés, os cortes nas mãos. Preparou-se, enfim, como quem nada quer, acertou contas, débitos, créditos, investimentos, não faltou um momento em sobriedade, não transferiu dor, apreensão, ódio, ressentimento, fingiu consistentemente ser igual a si próprio no bom, no ruim, no calmo, na ansiedade. Um dia vieram-lhe fantasias de antecipação, desejou anêmonas, árvores, fungos e sombras generosas de abrigo, em vez do leito solitário na floresta dos homens esquecida o poeta fez o apelo solitário da infância, das águas do mundo dos símbolos da renovação da vida. Nunca soube quem morreria antes a felicidade, o poeta, a tristeza de ser feliz. Apenas por obstinada teimosia de organização mandou talhar em pedra o poema do aprendiz: Quem sabe sabe quem não sabe se sacode eu queria casar com a Jurema mas alguém disse não pode. Eu quero é ficar sozinho no meio de muito amor Viva o estandarte da vida! Viva a morte sem dor! |